A Revolução Makhnovista: uma revolução anarquista (1917-1920)¹

1 Artigo editado e publicado originalmente pela Revista Tempo Espaço e Linguagem (TEL) na seguinte edição: v. 15 n. 1 (2024): Veredas Feministas: reflexões, potencialidades e transformações de pensadoras contemporâneas. Link para acesso a publicação original:

https://revistas.uepg.br/index.php/tel/article/view/22959/209209218689

Rafael Cabral Sirimarco2

Resumo: O artigo pretende discutir aproximações entre a doutrina anarquista e a revolução que teve palco no sul e leste ucraniano no início do novecentos, protagonizada pelos insurgentes makhnovistas. Verificando hipóteses ideológicas e históricas para responder o problema, o artigo traça uma viagem dos primórdios do anarquismo até o contexto da Revolução Makhnovista. Por fim, a relação entre o anarquismo e o makhnovismo se comprova íntima, apesar da existência de outros elementos fundamentais.

Palavras-chave: Makhnovitchina. Anarquismo. Revolução. Makhno. Ucrânia.

Os princípios do Anarquismo

O anarquismo por muito tempo e por muitos estudos foi / tem sido estudado de maneira não tão adequada3. Baseando-se em uma historiografia recente, define-se o anarquismo como uma ideologia política4 socialista e revolucionária nascida da segunda metade do século XIX que:

[…] se fundamenta em princípios determinados, cujas bases se definem a partir de uma crítica da dominação e de uma defesa da autogestão; em termos estruturais, o anarquismo defende uma transformação social fundamentada em estratégias, que devem permitir a substituição de um sistema de dominação por um sistema de autogestão (Corrêa, 2015, p. 85).

Dentre os seus princípios político-ideológicos, são listados: “éticas e valores” nos termos libertários5 e de igualdade; “crítica de dominações”classistas e não-classistas; “transformação social do sistema e do modelo de poder” da passagem de um sistema / poder dominador para um sistema / poder autogestionário; “classes e luta de classes”, no qual as relações de dominação e a sociedade de classes só podem deixar de existir através da revolução social que coloque fim à divisão de classe.

Também é possível elencar: “classismo e força social”, no qual se busca intervir na correlação de forças, a fim de as capacidades de realização do conjunto dos dominados ser transformada em força social classista que consiga subverter o status quo sistêmico e o seu modelo de poder (fruto da configuração das relações de força social); “internacionalismo”, no qual as lutas não se limitam às demarcações territoriais do Estado-nação.

Outrossim: “estratégia” fundamentada e traçada de acordo com a situação e o contexto – sem estratégias monolíticas e pré-estabelecidas; “elementos Estratégicos” que apontem para a ação direta classista dos de baixo, utilizando meios e fins condizentes com o objetivo maior de mudar (destruir e sem utilizá-las no seu caminho) as relações estruturais e de poder dominadores; “revolução social e violência”, no qual a violência é visto como imprescindível para atingir o modelo de revolução social que desejam atingir em determinado momento da luta de classes.

Por último, é plausível mencionar igualmente a “Defesa da autogestão”, na qual se busca alcançar a “socialização da propriedade” (economicamente), o “autogoverno democrático” (politicamente) e a “cultura autogestionária” (cultura e ideologicamente) de modelo de nova sociedade socialista, orientado por éticas e valores anarquistas.

As origens do Anarquismo, a sua umbilical estratégia fundamental e as suas clivagens históricas

As últimas pesquisas têm apontado que o anarquismo gestou o seu surgimento durante o processo de radicalização da organização dos trabalhadores da Europa no final da década de 1860 na Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). Umbilicalmente, o anarquismo desenvolve a sua principal estratégia: o “sindicalismo de intenção revolucionária”. Este tipo de sindicalismo combativo e não-conciliador de classes (Colombo et al., 2004), por sua vez, tem duas facetas: o “sindicalismo revolucionário” e o “anarcossindicalismo”.

A primeira não apresenta um vínculo programático entre o anarquismo e o corpo sindical, apesar da influência determinante do anarquismo [Industrial Workers of the World (IWW), Confédération générale du travail (CGT francesa), Confederação Geral do Trabalho(CGT portuguesa), etc]; enquanto a segunda, sim [Confederación Nacional del Trabajo (CNT espanhola), Federación Obrera Regional Argentina (FORA da V), Confederación Nacional Obrera de Cuba (CNOC cubana), etc.]. É, principalmente, por meio do sindicalismo de intenção revolucionária e de outros vetores sociais que o anarquismo consegue chegar nos cinco continentes e se estabelecer em muitos dos seus países.

A depender do lugar e do país – mas também de quando -, o anarquismo teve diferentes especificidades em meio à clivagem histórica das suas correntes. Inclusive, por exemplo, em um mesmo período de tempo, onde estratégias de um lugar eram minoria, em outros, foram maioria. Porém, a partir de um balanço global – por onde esteve – e temporal – nos seus mais de 150 anos de existência -, podem ser observadas duas correntes anarquistas (traçadas a partir das discordâncias entre os anarquistas no campo estratégico da ideologia): a “insurrecionalista” (minoritária) e a “de massas” (majoritária).

A primeira tende ao: “antiorganizacionismo”, ao desconfiar da organização dos anarquistas nas amplas organizações (de massa) dos trabalhadores; “impossibilismo”, ao questionar a validade de se creditar esperança nas reformas políticas como, de alguma forma, benéficas para a causa anarquista; e crença na “violência como gatilho” para impulsionar as massas no caminho da força social classista. Já a segunda tende ao: “organizacionismo”, ao promover a organização dos anarquistas nos movimentos sociais mais amplos dos trabalhadores; “possibilismo”, ao enxergar possibilidade de acúmulo de força social das massas por meio da conquista de reformas políticas – a depender de como foram alcançadas; e utilização da “violência com respaldo das massas, ou seja, inclinam-se a lançar mão da violência, em circunstâncias lado a lado dos movimentos sociais organizados dos trabalhadores.

O Anarquismo nas suas primeira e segunda ondas globais no mundo e no Leste-Europeu

Podem ser delimitadas cinco ondas globais do anarquismo (durante toda a sua trajetória) feita de continuidades e refluxos, como aponta Michael Schmidt em Cartography of Revolutionary Anarchism (2012). Irão ser abordadas apenas: a primeira onda (1868-1894) e a segunda onda do anarquismo (1895-1923), mas, ainda assim, apenas focando no que é relevante para se entender a relação entre o anarquismo e a Revolução Makhnovista.

O anarquismo se conforma em países da América Latina, Europa Ocidental e África na primeira onda. Na segunda onda, o anarquismo se estabelece nos outros continentes, atinge lugares onde não havia alcançado antes e se conforma em países do Leste Europeu. Muitos de seus esforços efetivos e exitosos de militância vêm dos modelos de sindicalismo das IWW no mundo anglófono e da CGT francesa no mundo latino os quais, em boa parte, ajudaram a levar o nível de organização – e, por isso, de atrito contra as classes dominantes – a um outro patamar no pré-Grande Guerra; fora as lutas no campo, estudantis e de outros recortes.

O anarquismo esteve presente no âmbito das lutas de gênero e de luta classista de mulheres e, também, nos movimentos antirracistas em diferentes continentes (sempre promovendo a união dos povos indiferentemente da cor da pele). Consolidado na segunda metade do século XIX, o imperialismo(Hobsbawm, 2014a) foi combatido pelo anarquismo em variados lugares do mundo sob a bandeira da “autodeterminação dos povos (Grave, 2020; Woodcock, 2010, p. 245; Shaffer, 2019). Desde a inspiração em lutas anti-coloniais ou a participação concreta de anarquistas – até a influência determinante e hegemônica – são registradas em revoltas, insurreições e revoluções ao redor do globo (Schmidt, 2012).

No Leste Europeu, na primeira onda, o anarquismo teve atividades mais esparsas, como nas lutas de independência bósnia-hezergovinas, búlgaras, macedônicas e armênias (Schmidt & Van der Walt, 2009, p. 331). É através do Leste Europeu que o anarquismo irá chegar na Grande Rússia e na Ucrânia (Skirda, 2017; Cipko apud Schmidt; Van der Walt 2009, p. 331), mas apenas se conformará na década de 1900 (Desobediência Sonora, 2017).

Na segunda onda, no Leste Europeu6, anarquistas estiveram na conformação e militância de sindicatos de assalariados agrícolas e nas convulsões sociais no campo tanto na Hungria em 1898, quanto no Peloponeso Ocidental (e na Grécia em geral) por praticamente toda a década de 1890. Anarquistas formaram organizações especificamente anarquistas e difundiram jornais libertários por praticamente todo o Leste Europeu. Estiveram envolvidos com o sindicalismo de intenção revolucionária e lançaram mão de estratégias da pedagogia libertária, inspiradas na barcelonesa Escola Moderna de Francisco Ferrer. Em nome de ideais internacionalistas, estiveram ativamente em lutas de libertação nacional eslavas contra imperialismos (e contra a Grande Guerra).

Alguns exemplos de fenômenos históricos de maior envergadura, em que anarquistas tiveram importantes papéis no processo de radicalização de luta de classes na parte mais oriental da Europa – isso quando não foram determinantes em tais processos -, foram: o motim no nordeste húngaro para a derrubada da República Democrática da Hungria (1918-1919) em 1918; as contribuições importantes dos anarquistas na Revolução Húngara de 1919; a tomada, pela União Anarquista, do Palácio Almassy no leste húngaro e a influência entre os soldados armados aquartelados; a participação anarquista na greve geral de outubro de 1918 que foi valorosa para a independência dos eslavos do norte em relação ao Império Austro-Húngaro; anarquistas e adeptos do sindicalismo de intenção revolucionária foram significativos nas grandes e incendiárias greves de trabalhadores romenos entre 1910-1914; na Áustria, é observável a criação de (no mínimo) uma unidade da Guarda Vermelha e a formação e participação de anarquistas no desenvolvimento dos primeiros Conselhos de Operários e Soldados em Viena (palco do fenômeno da Viena Vermelha); houve anarquistas austríacos, também, lutando no Exército Vermelho do processo da Revolução Húngara de 1919.

O momento mais destacável, porém, foi a determinante influência dos anarquistas na Revolta de Ilidene na correlata Insurreição de Préobrojenié, quando os camponeses protagonizaram um processo de libertação nacional nos territórios (atuais) da Macedônia e da Bulgária contra o Império Turco-Otomano; impulsionados pelas – também correlatas – Organização Revolucionária Interna da Macedônia e Adrianópolis (VMRO) e o Comitê Revolucionário Clandestino da Macedônia (MTRK) correspondentemente. Tais processos revolucionários deram luz a transformações sociais que conduziram, em 1903, à constituição da Comuna de Krouchevo e da Comuna de Strandzha. Não por acaso, dada uma similaridade maior de condições estruturais entre os trabalhadores de ambos os lugares, é perceptível que a Comuna de Strandzha teve características parecidas com a futura Revolução Makhnovista.

Para pôr fim neste raio-X da segunda onda, vale dizer que, apesar de anarquistas mais próximos da corrente de massas terem sido maioria no Leste Europeu desse período, anarquistas insurrecionalistastambém foram significativos (caso polonês e iugoslavo).

O ciclo revolucionário no Império Russo-Tsarista e o Anarquismo

Nos tempos do ciclo revolucionário russo e não-russo entre 1905-1921 (Reis, 2017), o anarquismo já estava conformado na Rússia e na Ucrânia e se manteve ativo entre fluxos e refluxos (principalmente causados pelas ondas repressivas que se sucederam dentro desse período). O anarquismo atua de forma importante na Revolução de 1905: na criação dos primeiros sovietes nos grandes centros urbanos russos; nas greves gerais; nas lutas de independência ucraniana e no campo (Skirda, 2017).

Na futura região makhnovista, organizações anarquistas atuam de modo relevante. No coração da vindoura Revolução Makhnovista – na aldeia de Guliaipolé -, uma multiétnica (Shubin, 2010, p. 4) organização de anarquistas – a União dos Livre Agricultores – abre combate contra a Sotnia Negra7 (Castro, 2014). No movimento de ascensão dos Kulaks no contexto das reformas de Stolypin contra os mir8 – com o objetivo frear os atritos entre os pomechtchiki9e os camponeses (Hobsbawm, 2014a, p. 455) -, os futuros territórios primordiais dos makhnovistas foram palco de intensas lutas entre camponeses e grandes fazendeiros (Darch apud Schmidt; Van der Walt, 2009, p. 301).

Com notória influência do anarquismo francês até então, é possível identificar três correntes anarquistas na Rússia e na Ucrânia: 1ª – mais próximos dos insurrecionalistas, eram partidários da propaganda pelo fato ou da “violência como vingança” (a União dos Livre Agricultores é um exemplo); 2ª – discípulos das ideias de Piotr Kropotkin e entusiastas do periódico Khleb i Volia, podem ser chamados de Khlebistas e apostavam em algum grau de organização. Focalizavam os seus esforços em propagandas escritas entre proletários, soldados, camponeses, etc. com o intuito de gerar consciência de classe para vindouros momentos de atritos e lutas de classe. Um exemplo é o Grupo de Anarquistas Comunistas de Kiev. Ambas as últimas se auto-intitulavam “anarco-comunistas”, porém os primeiros diminuíram com o tempo e os segundos (acabaram) se conformando enquanto corrente anarquista majoritária. Uma 3ª corrente foi a dos “anarcossindicalistas”. Apesar do nome, eram sindicalistas revolucionários inspirados na CGT francesa. O Grupo de Sindicalistas do Sul da Rússia (1905-1907) é um exemplo dessa corrente (Corrêa, 2018).

Com o refluxo – devido à repressão da autocracia – entre 1908-1914, as organizações anarquistas perdem força e número no Império Russo-Tsarista. Todavia, a militância anarquista mira os seus esforços para o exterior, onde exilados russos perpetuam os seus trabalhos contra a autocracia tsarista e a sua repressão contra os trabalhadores (Skirda, 2017). Muitos exilados vão para os EUA, onde têm contato, criam afinidades e até ingressam nas fileiras wobblies1011(Maximoff, 2010, p. 10). Futuros makhnovistas acabam sendo pegos pela repressão ou são exilados.

É com o estourar da Revolução de Fevereiro que a autocracia tsarista cai e os militantes (que estavam) exilados e encarcerados são anistiados e voltam à ativa na militância pelos territórios do Império. Muito antes do Outubro Bolchevique de Petrogrado / Moscou, entre março e novembro12 de 1917, outros “Outubros” acontecem (Arshinov, 1927), como a “revolução agrária” que começa nos vastos campos russos e não-russos de 1917 (Reis, 2017). Aplicando esforços na direção de não reproduzir a tradicional historiografia dos “vencedores” sob um olhar (puramente) retrospectivo, onde a narração do ciclo revolucionário de 1905-1921 se circunscreve à escalada bolchevique, busca-se uma “História Vista de Baixo” (Thompson, 2015).

Nesta, são exploradas as hesitações, as dificuldades e as divergências dos dominados (e as suas classes), sem deixar de negar as factualidades da ascensão dos bolcheviques ao poder soviético. Estes, com efeito, se sobressaíram diante de uma miríade de ascensão de forças sociais classistas, revoltas e revoluções populares pós-queda tsarista que fizeram Vladimir Lênin (1870-1924) chegar ao ponto de dizer: “O poder não está em nenhuma instituição, está na rua” (Rabinovitch, 2004 apud: Reis, 2017, p. 197). É o período que Daniel Aarão Reis, em A revolução que mudou o mundo: Rússia 1917, cunha de “múltiplos poderes”13. Apenas com a escalada bolchevique e a sua conformação no poder – sobre os outros diversos focos de poder14 pelo antigo Império entre novembro de 1917 e a vitória do Exército Vermelho nas guerras civis (1917-1922) – se torna possível notar uma efetiva dissolução do quadro de múltiplos poderes (Reis, 2017).

Um desses poderes gestados antes de novembro gestou a socialista Revolução Makhnovista.

Antecedentes da Revolução Makhnovista

Após a anistia geral – trazida com a Revolução de Fevereiro -, o conjunto local de dominados de Guliaipolé e arredores voltam a se articular politicamente de maneira mais complexa e elaborada. A volta de “réus do tsarismo” para a sua terra natal – como Nestor Makhno (1888-1934) – é acompanhada por um recrudescimento do grau organizativo dos trabalhadores: urbanos manufatureiros, fabris, de professores e, principalmente, do campo. Porém isso não foi pura coincidência. Através de fontes primárias15, é possível notar a influência determinante do Grupo Anarco-Comunsita de Guliapolé16 na impulsão da consciência (de classe), organização e combatividade dos dominados locais contra os poderes dos Governos Provisórios17, da Rada Central ucraniana e dos kulaks e pomechtchiki em geral. Diferente da década anterior, agora, a organização anarquista não se baseava mais nos princípios estratégicos próximos do insurrecionalismo. Na verdade, não apenas avanços organicistas das classes trabalhadoras em geral da região – entre março e novembro de 1917 – aconteceram, mas também, mudanças na concepção estratégica dos militantes anarquistas guliaipolianos.

No decorrer do ano, os membros do Grupo Anarco-Comunsita de Guliapolé passaram a estar cada vez mais próximos do que seria a corrente de massasdo anarquismo. Apesar das rusgas internas geradas, a introdução do novo estilo militante foi sendo bem-sucedido no quesito de contribuir decisivamente para transformar a capacidade de realização das massas trabalhadoras em força social classista (via dualismo organizacional18). A União dos Camponeses19, os professores mobilizados, as resoluções dos Skhods20, a atuação no Comitê Agrário21e a militância da União Profissional dos Metalúrgicos e dos Trabalhadores da Madeira22 foram os vetores sociais dos anarquistas guliaipolianos. No começo de setembro, já é clara a diferença de princípios político-ideológicos que atravessavam tais organizações sociais de Guliaipolé e arredores (em uma direção antiestatista, revolucionário e socialista) e, no lado outro lado, as propostas mais moderadas e institucionalizadas de projetos políticos de partidos de esquerda que compunham a Rada Central ou os Governos Provisórios.

Em setembro de 1917, um Outubro estoura em Guliaipolé, diante da ameaça reacionária do Golpe de Kornilov (Ferro, 2011, p. 119-120). Camponeses, trabalhadores urbanos e profissionais liberais organizados decidem pela retirada/tomada das armas das classes dominantes locais, a fim de evitarem a organização de forças reacionárias locais que poderiam ajudar com o êxito golpista (e contrarrevolucionário). Defende-se que, neste instante, é o começo do que se nomeia, aqui, como Revolução Makhnovista.

Uma Revolução

É difícil precisar, em poucas palavras, o porquê de tratar esta transformação social – iniciada em setembro de 1917 (que se chama de Guliaipolé revolucionária e se se estende até abril de 1918), somada / até a época da makhnovitchina e do EIRU23 (pertencentes ao período pós-abril de 1918 e a diferentes circunstâncias das lutas de classes no país e na região) – como uma mesma revolução social24. A explicação principal de estirpe histórica é que a Guliaipolé revolucionária criou condições determinantes – não só em termos exclusivamente espaciais por se tratar do “coração geopolítico” da makhnovitchina, mas – de influência (do valor e do conteúdo revolucionários) para o que se considera, aqui, como desenvolvimento dos estágios seguintes da Revolução Makhnovista.

O arqueólogo Livio Rosa, em O Caso do Estandarte Makhnovista: do falso histórico ao mal-entendido, ao falar sobre as origens da makhnovitchina, conclui e afirma:

O movimento conhecido como Makhnovitchina […] foi um processo de revolução social que ocorreu na Ucrânia entre 1918-1921, mas possui sua base no início do processo revolucionário em 1917 ao seguir o estouro da Revolução Russa quando os sovietes camponeses junto ao Grupo Anarco-comunista da aldeia de Guliai Polé iniciam as primeiras coletivizações de terras e a reorganização da sociedade (Makhno, 2007, pp. 183-192 apud: Rosa, 2020, p. 7).

O pesquisador Aleksandr Shubin, em O Movimento Makhnovista e a Questão Nacional na Ucrânia, ao falar sobre as origens da makhnovitchina, também sugere que os movimentos revolucionários das massas de Guliaipolé – entre 1917 e abril de 1918 – tiveram continuidade com o estourar das atividades militares da (propriamente) makhnovitchina contra os imperialistas das potências centrais e contra o Hetmanate25. Outrossim, militantes makhnovistas atribuem ao Grupo Anarco-Comunista de Guliaipolé e à sua época o tom revolucionário dado à revolução para as fases seguintes, como Arshinov (2017, p. 275) e Makhno (1988, p. 65).

O que torna a proposta de inferência defendida – sobre a unicidade revolucionária das fases colocadas acima – ainda mais verossímil e palpável foi a observação sobre o trabalho militante dos revolucionários da Guliaipolé revolucionária no antes e depois do momento insurrecional de resistência contra Kornilov – como mencionado acima – em setembro de 1917. Essas atividades militantes dos guliaipolianos miraram – ora direta, ora indiretamente por conta da iniciativa de terceiros26 – no espalhamento e na difusão dos princípios político-ideológicos inflamáveis e – depois de setembro de 1917 – revolucionários que a Guliaipolé vinha carregando para os movimentos das classes dominadas pertencentes a outros lugares da Ucrânia.

É, também, dessa mesma aldeia de Goulaï-Polé que foi lançado, em 1917, em direção aos camponeses das várias regiões de Alexandrovsk, Metitopal, Berdiansk, Marioupol e Pavlogrado, o sinal para a luta contra o governo provisório que demorava a dar uma solução para a questão agrária antes da convocação da Assembleia Constituinte. […] Em definitivo, ficou claro que a influência de Goulaï-Polé era bastante ampla, que a enérgica região de Kamychevat trabalhava conosco, que numerosas outras regiões que dependiam dos distritos de Berdiansk, Marienpol, Pavlograd e Backmout nos enviavam delegados para conhecer nossa atitude para com os inimigos da Revolução (isto é, o Governo Provisório e a Rada Central Ucraniana), e saber quais eram os meios que usávamos na luta para a retomada das terras, fábricas e unsinas e sua passagem integral para as organizações camponesas e operárias. Além disso, numerosos trabalhadores dos citados distritos tinham afirmado, em seus territórios, por meio de atos revolucionários, sua solidariedade com nossas idéias sobre a questão agrária e sobre o direito dos Comitês comunais de resolverem por si sós os problemas de interesse público e de exigir a aplicação de suas leis. O Soviete dos Deputados camponeses e operários de Goulaï-Polé e o grupo anarquista-comunista viram em todos esses fatos o fruto de seus esforços comuns […] [Ademais,] distritos de Alexandrovsk, Melitopol, Berdiansk, Marioupol, Backhmour e Pavlograd […] estavam sob a influência do Soviete dos Deputados operários e camponeses de Goulaï-Polé, que as ditas regiões consideravam como o iniciador da luta contra o governo (Arshinov, 2017, p. 70; 147; 161).

Somando as províncias de Ekaterinoslav e as suas classes proletárias urbanas (Makhno, 1988, p. 150), Kharkov, Taurida, Poltava (Arshinov, 2017, p. 56-57) (assim como outros possíveis lugares) e frisando a cumplicidade entres as militâncias socialistas e libertárias das cidades de Guliaipolé e Alexandrovsk (Makhno, 1988; Archibald, 2007), é perceptível que todos estas (extensas) regiões – que mantiveram relações com (a) Guliaipolé (revolucionária) e sofreram influência sua – seriam bastiões e verdadeiras fortalezas da makhnovitchina futuramente.

É no processo de acúmulo de experiência e de fortalecimento da consciência de classe nestas variadas localidades ucranianas que forças sociais dos de baixo foram influenciadas por princípios político-ideológicos (similares, correlatos e afins), vindos de uma mesma fonte27 de experiência [de(a) Guliaipolé (revolucionária)]. Esse foi o “preparo” (intencional de alguma forma) para o terreno fértil para a (futura) makhnovitchina conseguir brotar ou se expandir militar e político-ideologicamente; com a sua influência atingindo territórios de dimensões bem maiores (e distantes até) em relação à – menor geograficamente falando – Guliaipolé revolucionária.

Ademais, futuros personagens importantíssimos (inclusive anarquistas organizadas) da makhnovitchina tinham sido figuras de proa do predecessor momento – aqui cunhado como Guliaipolé revolucionária -, como: Nestor /28 Savva / Grigori Makhno, Maria Nikiforova (Marusya) (1885-1919)29, Simon Karetnik (1893-1920), Alexis Marchenko (1892-1921), Alexander Kalashnikov (década de 1890-1920), Isidor Liuty, Grigori Vasilevsky (1892~1893-1921), Boris Veretelnik (1889-1919), Piotr Gavilenko (1883-1920), Ivan (1899-1937) / Alexandre Lepetchenko (1890-1920), Sereguin, Philippe Krate, e muitos outros). (Archibald, 2007; Arshinov, 2017; Makhno, 1988; Makhno, Skirda & Berkman, 2001; Heath, 2009a; Shubin, 2010).

Metodologia para o estudo da Revolução Makhnovista

Chega-se, desse modo, à súmula de que os diferentes momentos (pertencentes a contextos também únicos cada e com as suas próprias particularidades) no decorrer da makhnovitchina e da Guliaipolé revolucionária são fases de um processo de transformação social de mesma base de fluxo revolucionário, o qual – aqui – se chama: Revolução Makhnovista30. Não é inverossímil, pois, propor uma inovação metodológica que se pretende e, aqui, se utiliza. É a compreensão da Revolução em três fases:

1ª – da insurgência guliaipoliana de setembro de 1917 até a tomada da Ucrânia pela ascensão das forças nacionalistas da República Democrática Ucranianae de seus companheiros imperialistas em abril de 1918 (fase que se chama de Guliaipolé revolucionária);

2ª – da formação do EIRU, da (sua) tomada cada vez mais ampla de territórios ucranianos e do começo da construção de novas estruturas sistêmicas a partir de novembro de 1918, indo até os ataques fulminantes dos Exércitos Brancos e do Exército Vermelho em junho de 1919, compreende um “período de ouro” no desenvolvimento de novas estruturas de sociedade;

3ª – depois de um certo período distante do estabelecimento na sua região natal (no qual a makhnovitchina continuou operando, mas com grandes limitações – devido ao fogo cruzado intenso das guerras ao redor – de espírito criativo de novas estruturas sociais), a Revolução Makhnovista retorna a dar frutos mais construtivos, quando os makhnovistas voltam para o lado oriental das margens do Rio Dniepr em setembro de 1919. Neste fim de ano, não demora muito para atingir o auge do número de combatentes do EIRU de 110 mil pessoas. Esta fase vai até a onda repressiva dos bolcheviques na Ucrânia [contra os makhnovistas, mas também contra os anarquistas em geral (Corrêa, 2018)] em fins de novembro de 1920. Apesar da continuidade do EIRU, é difícil identificar ou precisar a (viabilidade da) perpetuação do mesmo fluxo revolucionário das fases anteriores para depois de novembro de 1920, devido às dificuldades tanto dos combatentes em meio às guerras, quanto de encontrar fontes o suficiente que atestem tal.

O fim e o começo de cada fase representam momentos de refluxos e de continuidades do mesmo fluxo revolucionário na inferência histórica aqui reivindicada.

Problema e hipóteses

Abaixo, nas últimas páginas deste artigo31, focar-se-á em responder a pergunta-problema deste estudo: “A Revolução Makhnovista pode ser considerada uma revolução anarquista?”, já que se fertilizou o terreno metodológico e de referências do assunto sobre os quais o objeto de estudo está assentado.

Levantam-se duas hipóteses para a resposta do problema: “há aproximações significativas e consideráveis entre a defesa da autogestão anarquista e a sociedade revolucionária da Revolução Makhnovista” e a outra é que “a influência do anarquismo foi determinante na corporificação da Revolução Makhnovista”. Abaixo, em um primeiro momento, desdobrar-se-ão os fundamentos relacionados à hipótese um, ao traçar (na medida do possível) o novo sistema construído e desenvolvido na Revolução. Os elementos da segunda hipótese serão desenvolvidos logo depois, ao se dimensionar o quanto foi a influência da ideologia política anarquista nesse mesmo processo revolucionário. Por fim, em uma terceira parte, aferir-se-ão os resultados das verificações dos fundamentos das duas hipóteses; chegando, pois, a uma resposta para a pergunta-problema.

Desenvolvimento da primeira hipótese

Na esfera política, é visível que as bases de tomada de decisão, edificadas durante todo o período da Revolução Makhnovista, ficaram entre os órgãos representantes das massas que aglutinavam – cada vez mais – os habitantes de um território32 nos congressos, assembleias ou conferências. O modelo de espaço que se dava essa aglutinação e discussão dos interesses dos habitantes de diferentes regiões variou de acordo com as fases da Revolução.

Na fase um, eram as assembleias (ou reuniões) skhods – devido às proporções territoriais menores próprias desta fase -, quando o mir de Guliaipolé era dividido por apenas sete setores, chamados de sotnia. Também é possível de se identificar, nessa época, os congressos (soviéticos) puxados pelo Soviete de Guliaipolé como reunião-base para as organizações de massa administrarem a região revolucionária. Mas os skhods e o Soviete de Guliaipolé eram intimamente ligados; não eram, entre si, concorrentes dos meios de administração da região. Na verdade, o que muito acontecia era o segundo executar as decisões tomadas no primeiro. No ápice dessa fase, entre fevereiro e março de 1918, já havia na região, pelo menos, quatro comunas que se ligavam horizontal e administrativamente no Congresso Regional das Comunas Agrárias. Na fase dois, os Congressos Regionais dos Camponeses, Operários e Partidários33 funcionavam de forma muito similar. Devido à complexidade dos assuntos e de suas realizações práticas, sovietes foram sendo criados como órgãos (apenas) executivos do que os milhões de trabalhadores iam decidindo no órgão popular supremo dos Congressos. Na fase três, apesar das dificuldades advindas das guerras, buscou-se manter tais estruturas administrativas autogestivas.

As forças armadas, nas fases dois e três, perpetuaram o mecanismo de operação da fase um: os exércitos funcionavam de maneira somente defensiva (em nome da existência da revolução) e eram subordinadas aos órgãos supremos e legítimos de administração do povo34. Nas fases dois e três, o exército estava baseado nos princípios: “eleição de oficiais”, “autodisciplina” e de “voluntariado”.

Quando o EIRU adentrava em um novo território – antes tomado por forças reacionárias -, ao invés de “impor autogestão” e as novas estruturas sistêmicas, buscava estimulá-las partindo do próprio povo, ao, por exemplo, engendrar um congresso ou uma assembleia popular para/entre os habitantes da (própria) região. Desse modo, “[…] estimulava que se organizassem, que tomassem suas próprias decisões, e que protagonizassem sua própria emancipação” (Corrêa, 2017, p. 10). Catalisando as forças das “[…] massas [trabalhadoras], como um tipo de motor que robustece o barco da revolução social popular” e, entrementes, “sem obrigar-lhes e coagir-lhes a adotar quaisquer medidas” (Corrêa, 2017, p. 10) sob uma suposta liderança dos insurgentes. Se nomeavam comandantes para se responsabilizar pela cidade “libertada” em alguns casos, a sua função era de “[…] servir de traço de união entre as tropas que tinham tomado a dita cidade e a população” (Corrêa, 2017, p. 10). Pois,

[…] tais ‘comandantes não dispunham de nenhuma autoridade quer militar quer civil e não deviam intrometer-se de nenhuma maneira na vida social da população’. Estimulavam-se, dessa maneira, princípios como a independência de classe, sem subordinação de camponeses e operários a qualquer autoridade externa, fossem elas estatais ou partidárias. Os trabalhadores oprimidos deveriam construir, eles mesmos, sua nova sociedade. No momento em que um território era libertado, os makhnovistas ‘dirigiam-se desde logo à massa laboriosa da população para convidar a tomar parte numa conferência geral dos trabalhadores da cidade’. Era fundamental, para eles, que os trabalhadores fossem envolvidos nesse processo. Quando esta conferência ocorria, realizava-se um relatório ‘sobre a situação do distrito do ponto de vista militar’ e, em seguida, articulava-se uma ‘proposta de organizar a vida da cidade e o funcionamento das oficinas e das fábricas pelas forças e os cuidados dos próprios operários e das suas organizações’. Estimulava-se, por meio de discursos às massas […] a elaboração de ‘relatórios sobre a obra necessária no momento, sobre a vida em comunidade livre e independente dos camponeses trabalhadores, como objetivo da insurreição’. Os trabalhadores, em geral, aclamavam ‘entusiasticamente esta ideia’; entretanto, ela não era implantada sem imensas dificuldades (Arshinov, 1976, pp. 62, 163-164 apud: Corrêa, 2017, p. 10)

Essa prática se repetia muitas vezes, pois o EIRU foi uma força militar muito ágil e forte que conseguiu acumular vitória em demasiadamente vastas regiões (especialmente no primeiro semestre de 1919) e foi determinante para o desfecho das guerras civis com a configuração da vitória das forças revolucionárias sobre os Exércitos Brancos de Denikin em 1919 e de Wrangel em 1920, sobre o pogromista anti-judeu Grigoriev (em fins de junho de 1919) (Shubin, 2010, p. 29-30), sobre o Exército petliurista e o Diretório ucraniano e sobre as forças militares do Hetmanate [a Guarda Nacional (varta) e os próprios exércitos alemães e austro-magiares] em dezembro de 191835.

Quanto aos pressupostos jurídicos, na makhnovitchina (e na Guliaipolé revolucionária), procurou-se advogar pela(o): ampla liberdade de expressão, fim das prisões e liberdade de agitação e organização política.

Na esfera econômica, nas três fases, a destituição do monopólio dos meios de produção dos kulaks e dos pomechtchiki deu lugar a uma socialização generalizada. Todo o processo de concepção e de articulação prática de novas estruturas econômicas assinalava que os próprios trabalhadores cuidavam e (auto)geriam a terra que plantavam e colhiam. As diretrizes eram dadas pelos órgãos responsáveis pela produção e pelo consumo, organizados pelos próprios trabalhadores nas três fases.

No que tange ao tipo distribuição dos bens produzidos pelos trabalhadores, observa-se que a primeira fase esteve mais próxima da máxima (comunista): “[…] de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo as necessidades”. E, divergindo do modelo vertical e estatal gestor da economia dos bolcheviques, propunha-se uma economia socialista planificada através de um federalismo não-estatista. As fases dois e três não foram diferentes na colocação: de os próprios trabalhadores e os seus órgãos como sendo reguladores e gerentes horizontais da economia; e, sempre que possível, de um tipo de modelo econômico comunista antiestatista36 e libertário. Sempre foi visível, nas três fases, o propósito de estímulo à “aliança operário-camponesa”, de modo a transcender o sentimento imaterial de solidariedade revolucionária entre campo e cidade. Usinas e fábricas passaram a ser autogeridas na fase um e, nas fases seguintes, não foi diferente nos perímetros urbanos.

A especificidade das duas últimas fases foram as relações e a participação, em algum nível, de comunas fabris (auto)geridas por wobblies. Por fim, é importante dizer que se formaram muitas comunas de trabalhadores nos tempos da makhnovitchina. Mas a última sempre buscou conectá-las econômica e, até, politicamente em torno dos órgãos supremos de administração – os Congressos – e de seus órgãos executivos, a fim de criar uma grande teia conjunta de administração política e de gestão econômica de produtores e consumidores que partisse de “baixo para cima” através da ferramenta federalista.

Já dentro da esfera cultural/ideológica, os projetos escolares, nas três fases, esbarraram no contexto complicado e conflituoso das guerras civis. Entretanto, foi possível conseguir, nos momentos de maior grau de estabilidade territorial, corpos docentes e estudantis mobilizados na construção de novas formas de estruturas escolares e pedagógicas. Apesar de serem poucas as fontes encontradas a respeito da fase dois, a fase um e a três tiveram a mesma matriz de influência e impulso: a pedagogia libertária de Ferrer e a experiência da sua escola racionalista – sempre buscando romper com o quadro analfabético da Ucrânia da época (Hobsbawm, 2014a, p. 46; Makhno, 1988, p. 91) e conectar as novas relações culturais em gestação (envolvendo pressupostos éticos e de valores libertários) com as estruturas autogestionárias das outras esferas sociais. Ou seja, a esfera da cultura/ideológica era um certo tipo de sustentáculo do projeto – impulsionado pelos makhnovistas – de nova sociedade, o qual procurava apontar para uma autogestão generalizada.

Entre os meios de lazer e de entretenimentos promovidos, não era muito diferente. É possível identificar, por exemplo, na fase um, cantorias coletivas de músicas operárias e camponesas engajadas ou, na fase três, um teatro revolucionário que fazia confundir quem era plateia e quem estava atuando; buscando mobilizar toda a comunidade (muito através de enredos teatrais igualmente engajados politicamente).

Apesar das enormes dificuldades enfrentadas pelos adeptos da revolução – por conta do processo que Reis (2017) chama de “brutalização das relações sociais” durante os tempos violentos e sanguinários das guerras civis -, a solidariedade e a fraternidade makhnovistas, por meio das suas convicções (e difusões) político-ideológicas, se sobrepujaram em meio às circunstâncias adversas na medida do possível em boa parte do tempo. Tal foi possível de se notar e de se observar estimular (e influenciar) por parte dos makhnovistas. Com larga exceção dos momentos de terror das guerras civis e de outros momentos frutos da tal “brutalização das relações sociais”, as relações sociais de autogestão nas fases dois e três37 acabaram se sobressaindo – em breves ou, então, em longos (porém determinados) momentos de paz e tranquilidade – na sociedade civil ou (mesmo) militar (no interior do EIRU). A raiz explicativa disto está, em boa medida, nas novas estruturas sociais libertárias e socialistas que se estabeleciam.

É possível notar, também, uma significativa participação de mulheres na revolução, como: Marusya (Archibald, 2007, p. 17); a judia, militante nabática, sindicalista e Secretária da Seção de Cultura e Instrução do EIRU, Helena Keller (Arshinov, 2017, p. 240); Andreievna Kuzmenko (1897-1978) (Arshinov, 2017, p. 256); a judia, militante nabática, ativa na Cruz Negra Anarquista de Kharkov, Taratuta [Taratuta, Olga Ilyinichana 1876-1938 (real name Elka Golda Elievna Runinskaia, 2009)]; a costureira, operária, polonesa, judia iídiche e anarquista, Leah Feldman (1899-1993) (Schmidt & Van der Walt, 2009, p. 348); etc. Aliás, mulheres makhnovistas também tomaram parte no regimento de cavalaria do EIRU (Feldman, 2003), como uma segunda Marusya de sobrenome Chernaya entre 1920-1921 (Archibald, 2007, p. 20). Apesar de, nas fontes, se encontrar esporadicamente elementos que fazem alusão à igualdade sexual em relação às tarefas domésticas e laborativas, é muito cedo (historiograficamente) para dizer como a questão de gênero se relacionou com a revolução.

Outro ponto importante é relativo ao internacionalismo (operário) e a promoção da autodeterminação dos povos38. Arquitetando contra as perseguições raciais ou religiosas (de grupos, como os judeus), planejou-se atrair tais perseguidos para as fileiras revolucionárias organizadas na direção contra os inimigos classistas comuns. Poloneses (Grossman-Roshchin, 2012; Feldman, 2003), letões (Skirda, 2017, p. 109), alemães (Patterson, 2014, p. 165), habitantes da Bessarábia (Schmidt, 2017), minorias étnicas búlgaras na Ucrânia (Heath, 2017), caucasianos, russos, etc. A makhnovitchina era um verdadeiro caldo étnico, cultural e nacional. Mas, além dos ucranianos (Shubin, 2010, p. 23), os que mais se destacaram foram os gregos pônticos (Heath, 2009b) e os judeus no movimento makhnovista (Makhno, 2017; 1927; Arshinov, 2017).

No movimento makhnovista, o “[…] profundo sentimento de fraternidade dos povos – própria apenas ao trabalho oprimido” era vital. A “propaganda de caráter puramente nacional” (Arshinov, 2017, pp. 237-238) não florescia, nem prosperava. Mesmo a guerra contra o Exército Vermelho tinha como motor a busca pelo fim da vida servil e exploratória, fazendo valer os seus interesses de classe (trabalhadora). Os maiores (e declarados) inimigos dos seus interesses eram as tropas de(os): Denikin, austríacos, alemães, Petliura, franceses, Wrangel. Cada invasão dessas forças contrarrevolucionárias

[…] representava para eles, acima de tudo, uma ameaça aos trabalhadores, e nada para eles significava o pavilhão nacional que cobria essas incursões. […] Assim, os preconceitos nacionais não tinham nenhuma influência sobre a Makhnovitchina. Os preconceitos religiosos também não39. Como movimento revolucionário das classes pobres da cidade do campo, a Makhnovitchina era adversária, em princípio, de toda a religião. Entre os movimentos sociais modernos, era dos poucos em que ninguém queria saber nem da sua religião nem da do vizinho, nem da sua nacionalidade nem da dos outros, onde se respeitava, sobretudo, o Trabalho e a liberdade do trabalhador (Arshinov, 2017, pp. 238-239).

Todo revolucionário insurgente deve se lembrar que todas as pessoas da abastada classe burguesa independente se são russas, judias, ucranianas ou de qualquer outra nacionalidade são tanto suas inimigas pessoais como inimigas do povo. Aqueles que protegem a injusta ordem burguesa, isto é, comissários soviéticos, membros de destacamentos de extermínio, comissões extraordinárias que circulam nas cidades e vilarejos e torturam o povo trabalhador que não deseja se submeter a sua tirana ditadura. Todo insurgente fica obrigado a prender representantes desses destacamentos de extermínio, comissões extraordinárias e outros órgãos de escravização e perseguição popular e enviá-los para o quartel-general do Exército e, em caso de resistência, atirar neles no local. Porque os culpados de usar a força contra trabalhadores pacíficos, independentemente de sua nacionalidade, sucumbirão a uma morte vergonhosa e indigna de um insurgente revolucionário (Goncharok, 1996 apud: Shubin, 2010, p. 30).

Desenvolvimento da segunda hipótese

É possível dizer que a revolução, em todas as suas fases, bebeu da influência anarquista – desde os tempos do Grupo Anarco-Comunista de Guliaipolé e do sindicalismo revolucionário de operários e assalariados agrícolas na fase um até a formação da União dos Anarquistas40 e a chegada da Confederação NABAT de Organizações Anarquistas nas fases dois e três correspondentemente. Apesar de outras forças políticas também terem participado dos movimentos sociais – que estavam às voltas da revolução –, o anarquismo e os anarquistas [mesmo não sendo a maioria (Mintz, 2005, p. 57)] foram a influência determinante dentre os programas e os princípios político-ideológicos em disputa nos movimentos sociais que foram protagonistas na confecção da revolução. Na terceira fase, o peso da influência da ideologia política anarquista – na luta pela construção de uma nova sociedade – é demonstrado (consciente) pelos próprios makhnovistas em seus meios institucionais oficiais. Em março de 1920, a Seção de Propaganda do EIRU, em um panfleto makhnovista, declarou:

A atitude negadora da Makhnovtchina para com o capitalismo e o estatismo mostra que este movimento é essencialmente libertário. Enfim a participação maciça dos trabalhadores na Makhnovtchina significa, por si só, que é um fato social afastado de qualquer utopia ou fantasia. É possível afirmar, conseqüentemente, que a Makhnovtchina e o anarquismo são afins e idênticos. O movimento makhnovista apóia-se conscientemente sobre os princípios anarquistas, quer dizer, sobre o direito ao livre trabalho, sobre o direito à autogestão total da vida social e sobre os fundamentos da Anarquia; apresenta-se como uma realização perfeita das idéias libertárias (Makhno, Skirda & Berkman, 2001, p. 87).

Em termos históricos, foi possível rastrear que as bandeiras levantadas pelos revolucionários – internacionalismo; autodeterminação dos povos; estratégias revolucionárias e antiautoritárias com a busca de coerências entre meios e fins, ética e espírito libertários, socialismo etc. – assim como as suas táticas e estratégias para alcançar as estruturas autogestivas de sociedade que visavam e defendiam, vieram também das lutas de povos ao redor da Ucrânia41, como do incendiário Leste Europeu do pós-Grande Guerra (Hobsbawm, 2014b).

É claro que o anarquismo e o que ele trouxe foram adições (determinantes, mas, ainda assim, adições), pois o que muito explica os caminhos traçados pela Revolução Makhnovista foi a autóctone tradição libertária dos movimentos populares, camponeses e cossacos, vinda de tempos imemoriais. Concordando com o que Corrêa (2017) discorre no final de A Prática Revolucionária da Makhnovitchina, afirma-se que as tradições mais recentes dos movimentos de trabalhadores – que incorporaram novos elementos, como: o socialismo, os sovietes, o makhnovismo, o sindicalismo revolucionário e todos os frutos acumulados do processo de (auto)constituição das classes de trabalhadores da região makhnovista dentro do ciclo revolucionário (1905-1921) – também tiveram importante companhia das antiquíssimas expressões antiautoritárias e/ou libertárias no que tange ao rumos que desaguaram na prática da makhnovitchina:

Além disso, a maneira de atuar dos makhnovistas parece ter sido determinantemente influenciada tanto por ações prévias – como a Volnitza, que fez parte de uma tradição ucraniana de luta por independência, ou mesmo por outras mobilizações e tradições do campesinato eslavo, como os levantes protagonizados por Stenka Razin (1630-1671) e Iemelian Pugatchev (1742-1775), ou mesmo o Mir (obschina) russo –, mas também pelas práticas de solidariedade e apoio mútuo que existiam na organização dos trabalhadores ucranianos. A difusão entre a população de práticas antiautoritárias, assim como seus padrões de direitos e justiça, aparenta ter pautado toda a prática makhnovista (Corrêa, 2017, p. 19).

O makhnovista, operário e nativo da cidade de Ekaterinoslav, Arshinov, ao deliberar sobre a influência dessa quase milenar tradição libertária na makhnovitchina – e que também vale para a Guliaipolé revolucionária na fase um – e sobre a inspiração em lutas alheias, explica:

O êxito rapido e constante da Makhnovitchina explica-se pelo fato de uma parte dos operários e camponeses russos conhecerem um pouco a história das revoluções dos outros povos e os movimentos revolucionários de seus avós e poderem basear-se sobre a experiência desses acontecimentos (Arshinov, 2017, p. 37).

Resposta para o problema e Considerações Finais

Longe de ser o anarquismo o único fator de influência para moldar a revolução como ela foi, tradições originais e – entrementes – de outros povos (não necessariamente ucranianos) contribuíram de modo significativo para tal; o que não a torna apenas uma “revolução anarquista”, mas um fenômeno original e único, vindo de “[…] um movimento das camadas mais profundas dos trabalhadores” (Arshinov, 2017, p. 46). Em suma, não obstante a indispensável influência anarquista para o makhnovismo e para a revolução em que os makhnovistas foram protagonistas, o anarquismo não é um fator que exaure a chave para o entendimento do fenômeno, o qual foi atravessado e permeado por preciosos elementos ímpares, particulares e pertencentes às protagonistas massas camponesas da região que se congregaram no complexo movimento makhnovista.

Por fim, tanto em termos de aproximação de projeto político de novas estruturas sistêmicas de sociedade, quanto pela influência histórica do anarquismo incidindo sobre todo o contexto e momento relevante para o desenvolvimento da revolução, é válido concluir que a Revolução Makhnovista deve estar no hall das diferentes revoluções42 que foram terminantemente influenciadas pela ideologia política anarquista, como: as Revoluções Mexicanas (1910-1913) (Da Silva & Corrêa Separata de: Crisi, 2018, pp. 13-14; Zarcone, 2005; Nevin, 2015; Daal, 2018), a Revolução (Anarquista) na Manchúria (1929-1932) (Crisi, 2015; Corrêa, 2015, p. 250), a Revolução Espanhola (1936-1939) (Corrêa, 2015, p. 252) e as breves e correlatas revoluções que deram origem à Comuna de Kroushevo e à Comuna de Strandhza (1903) (Khadziev, 2015; Corrêa, 2015, p. 254).

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Zarcone, Pier Francesco. Os anarquistas na revolução mexicana. Anarkismo, 27 fev. 2005.

NOTAS

1 Artigo editado e publicado originalmente pela Revista Tempo Espaço e Linguagem (TEL) na seguinte edição: v. 15 n. 1 (2024): Veredas Feministas: reflexões, potencialidades e transformações de pensadoras contemporâneas. Link para acesso a publicação original:

https://revistas.uepg.br/index.php/tel/article/view/22959/209209218689.

2 Mestrando em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, com bolsa financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Lattes: 4345621121079362E-mail: cabralsirimarco@gmail.com.

3 As críticas às pesquisas pregressas, mais antigas e que até podem ser consideradas como estudos de referência do anarquismo (Anarquismo de Paul Eltzbacher; História da Anarquia de Max Nettlau; História das Ideias e do Movimento Anarquista de George Woodcock; Anarquistas e Anarquismos de James Joll; Anarquismo de Daniel Guérin; Demanding the Impossible: a History of Anarchism de Peter Marshall; e o An anarchist FAQ de Iain McKay.), assim como a proposta de definição do anarquismo, o tracejo dos seus princípios político-ideológicos, a delimitação de quando teve o seu surgimento e o delineamento das suas correntes históricas a nível global e com permanência no tempo, vieram de e foram baseadas nos argumentos, categorias e conceitos das obras: Schmidt & Van der Walt, 2009; Schmidt, 2012; Van der Walt, 2017; Corrêa, 2013; Da Silva, 2014; Linhares, 2019; Santos & Da Silva, 2018; Da Silva, 2018. Porém, a principal influência, sem dúvida, foi: Corrêa, 2015.

4 O que se argumenta, aqui, é que o “anarquismo” é uma “ideologia política” (Corrêa, 2015, p. 88) com princípios próprios e com uma com tradição histórica sui generis. O que também é semelhante de qualificar o anarquismo enquanto uma “doutrina política”. Para a discussão de “teoria” e “ideologia política” em volta do anarquismo, ver: Corrêa, 2015.

5 Para uma precisão (das diferenças) de conceituação do que é “anarquista” e do que é “libertário”, ver: Corrêa, 2015, p. 59. No mesmo livro, tem-se a elucidação das noções dos conceitos e categorias que se utiliza neste parágrafo e em certos outros momentos deste artigo.

6 Todas as informações mencionadas e expostas neste e nos três parágrafos seguintes foram retiradas de: 1419-today: Czech anarchism, 2006; 1903-1981: Anarchism in Poland, 2006; Anarchist Groups in Poland Lódź 1905-1939, 2009; Did teenage anarchists trigger World War I? […], 2014; Gorman, 2010; Gheorghiu & Stefan, 1879 – 1914, 2012; Grossman-Roshchin, 2012; Heath, 2006a; 2006b; “Ideas magazine” – romenian anarchist publication, 1900-1916, 2011; Indic, 1990; Khadziev, 2015; Schmidt, 2009; Skirda, 2017; Troaditis, 2018a; 2018b; 2018c; 2018d; 2017; 2015; Schmidt & Van der Walt, 2017; 2009; Gruber, 1991. Referir-se-á, a seguir, aos territórios dos países do Leste Europeu geralmente de acordo com as fronteiras nacionais do mapa do pós-Grande Guerra. Apesar da importância do anarquismo nos territórios da Armênia e de outros lugares do Cáucaso na época (Armenian history: an anarchist perspective, 2011), não serão considerados na análise contida nesses três parágrafos abaixo, pois o objetivo maior é observar o anarquismo nos territórios à oeste, a partir de onde o anarquismo chega na Ucrânia. Porém, possíveis estudos a respeito da difusão do anarquismo na Ucrânia (e na Grande Rússia) através do Cáucaso poderiam (ou não) desbancar tal constatação.

7 Grupos pró-Tsar que atuavam em pogroms contra judeus.

8 Comunas agrárias de camponeses. Ver: Tragtenberg, 2007.

9 Pomechtchiki: nobreza agrária russa; Kulaks: fazendeiros abastados com extensas propriedades de terra.

10 Nome dado àqueles que apoiavam ou eram filiados aos sindicatos das IWW.

11 Experiência fundamental essa para as iniciativas sindicalistas revolucionárias – inspiradas nas IWW –, quando esses exilados retornam do exílio para a Rússia e a Ucrânia.

12 Guia-se pelo Calendário Gregoriano. Apesar da utilização do último neste artigo, manter-se-ão os nomes tradicionais dos eventos históricos que remetem ao Calendário Juliano (o qual foi utilizado oficialmente até fevereiro de 1918): Revolução de Fevereiro, Revolução de Outubro e Outubro(s).

13 Em oposição à tese narrativa de Leon Trotsky (1879-1940), quando descreveu a substituição do poder tsarista pelos (instáveis, sucessivos e sem tanta autoridade) Governos Provisórios (Reis, 2017, p. 60).

14 Variavam desde forças reacionárias e pró-Tsar até agrupamentos, partidos ou movimentos à esquerda como as forças envolvidas na Comuna de Kronstadt ou na própria Revolução Makhnovista. Aliás, anarquistas – em geral – foram muito importantes em heterogêneos contextos de articulação de forças populares pelo vasto antigo território imperial, no que a impulsionar a apontar para direção revolucionária e socialista. Ver: Skirda, 2017.

15 Makhno, 1988 principalmente.

16 Da mesma linhagem da União dos Livre Agricultores da década de 1900.

17 Governos tais que tentavam se estabelecer enquanto autoridade na região, mas os seus pedidos para as classes camponesas pobres aguardarem pela Assembleia Constituinte para, então, haver a distribuição de terras (reforma agrária) não convenceram muito os mesmos. Como já foi mencionado, a revolução no campo pelo vasto Império começou muito antes da Revolução de Outubro e, em Guliaipolé e arredores, essa radicalização classista não foi diferente (Reis, 2017).

18 Refere-se à estratégia militante de organização dos anarquistas em dois níveis. Os anarquistas se organizariam enquanto anarquistas em uma organização especificamente anarquista, a fim de, ao mesmo tempo, influenciar (sem pretender hierarquizar) e potencializar as organizações (de massa) gerais dos trabalhadores das quais também fariam parte. Ou seja, o anarquista estaria organizado e militando no nível político (organização anarquista) e, também, social (organizações mais orgânicas criadas no seio das classes dominadas, por exemplo, no âmbito estudantil, operário, comunitário, camponês, etc.). O primeiro funcionou enquanto fermento para organização, combatividade e radicalização do segundo.

19 Em agosto de 1917, esta organização camponesa se transformará no Soviete de (Deputados Camponeses de) Guliaipolé, apesar de sua atuação não mudar tanto a partir do momento em que o seu nome foi mudado (Makhno, 1988, p. 115, 119; Shubin, 2010, p. 6).

20 Assembleia com a presença da totalidade de membros de uma comuna agrária (mir).

21 A priori, uma unidade administrativa dos Governos Provisórios, o Comitê Agrário foi tomado pela União dos Camponeses pouco a pouco (Makhno, 1988).

22 Segundo o documento apresentado em Skirda (2017, p. 112), as uniões profissionaiseram sindicatos. Muito provavelmente tais uniões de Guliaipolé eram atravessadas pela influência do sindicalismo revolucionário. Em Mintz (2005, pp. 54-56), é possível observar publicações e textos de adeptos do sindicalismo revolucionário circulando no Império Russo Tsarista entre 1905-1906. Sindicatos de assalariados agrícolas também marcaram presença na época em modelos sindicalistas não tão diferente aos encontrados no Leste Europeu mencionados acima.

23 Exército Insurgente Revolucionário da Ucrânia. É (no geral) a força (militar) de defesa da makhnovitchina e contemporânea a mesma.

24 No intuito de síntese, elucidação e de evitar confusões cronológicas quanto ao que se entende neste artigo enquanto as fases da Revolução Makhnovista, é possível sistematizar o seguinte: Guliaipolé revolucionária (1ª fase) – de setembro de 1917 até outubro de 1918; 2ª fase na makhnovitchina – de novembro de 1918 até junho de 1919; e 3ª fase na makhnovitchina – de setembro de 1919 até fins de novembro de 1920. Abaixo, essas fases irão ser destrinchadas e dissecadas mais detalhadamente. Outro assunto pertinente diz respeito ao porquê de tratar o fenômeno como “revolução”. A explicação está no entendimento de que a insurgência contra inimigos de classe aconteceu, mas acabou se estendendo para além da insurgência: não só foram derrubados, mas foi colocado em prática o desenvolvimento de novas estruturas sociais (sob um poder alternativo ao que se havia tido na região e ao que outras forças estatistas e concorrentes propunham)

25 As Potências Centrais eram os poderes armados imperialistas do Império Alemão e do Império Autro-Húngaro que, concretamente, colocaram os seus exércitos para ocupar a Ucrânia em 1918 (ainda mais após a “legalidade” do Tratado de Brest-Litovsk) e davam sustentáculo e legitimidade para o Estado fantoche erguido por elas. A nova ordem ucraniana de poder do Hetmanate estabelecia estruturas sociais não tão novas; mas velhas (e nefastas para as classes dominadas sublevadas durante o ano de 1917). Piotr Arshinov (1887-1937) (2017) descreve essas estruturas como a volta da ordem latifundiária dos pomechtchiki dos tempos da autocracia. Segundo o makhnovista, foram produzidas numerosas pilhagens pelos exércitos estrangeiros imperialistas pela extensão da Ucrânia durante os difíceis tempos das guerras civis.

26 Como o grande fluxo (de visitas) de trabalhadores partindo de outros lugares da Ucrânia para a incendiária Guliaipolé ao longo de 1917. Não raro, esses trabalhadores visitantes eram delegados ou representavam organizações (de classe) maiores e de outros lugares da Ucrânia.

27 Não descartando outras possíveis fontes.

28 Neste parágrafo, representa irmãos de mesmo sobrenome.

29 Esta atuou mais na cidade de Alexandrovsk do que em(na) Guliaipolé (revolucionária), mas teve contato íntimo com os movimentos populares guliaipolianos.

30 É admissível que “makhnovista” não é um adjetivo irrepreensível para se cunhar o fenômeno, dadas as especificidades de cada uma dessas fases (como a diferença temporal entre os inícios do movimento makhnovista em si e da Guliaipolé revolucionária). Todavia, pelo peso do movimento makhnovista de ser a força social protagonista (e herdeira) na perpetuação do fluxo revolucionário inaugurado pelos movimentos sociais anteriormente em Guliaipolé e adjacências, julga-se ser um adjetivo menos deletério. Alhures, tem-se referido a este processo histórico como Revolução Ucraniana.

31 Os argumentos defendidos nestas últimas páginas estão referenciados em: Schmidt, 2012; Makhno, Skirda & Berkman, 2001; Archibald, 2007; Schmidt & Van der Walt, 2009; Mintz, 2005; Castro, 2014; Corrêa, 2017; Skirda, 2017; Shubin, 2010; Tragtenberg, 2007; The black guards, 2011; mas principalmente em: Arshinov, 2017; Makhno, 1988. O que não estiver nessas obras, serão referenciados em obras terceiras. Mas, mesmo assim, ainda poderão haver referências a essas obras nessas últimas páginas, caso sejam concernentes a algum conteúdo de (uma) página(s) específica(s) de alguma dessas obras que tenha sido considerado relevante discriminar.

32 O agrupamento de – literalmente – todos os habitantes de uma única região (em poucos ou em um órgão administrativo) – principalmente nas fases dois e três – nem sempre era possível, já que havia dezenas, centenas, milhares e milhões de habitantes no território makhnovista. Um exemplo desse caso foi do Terceiro Congresso Regional dos Camponeses, Operários e Partidários (realizado em 10/4/1919) em Guliaipolé, quando se havia de representar a discussão dos interesses de mais de dois milhões de pessoas (Arshinov, 2017, p. 107). Portanto, a solução foi (geralmente) usar a ferramenta de delegação para representar os interesses desse montante de pessoas ao mesmo tempo. Tais delegados eram rotacionados, revogáveis a qualquer momento e com amplo controle das bases. A ferramenta delegativa também foi usada na fase um, pois – em seu auge – havia (no mínimo) entre 4800 e 14400 trabalhadores interligados institucional e politicamente (Makhno, 1988, p. 229), tornando impossível a participação literal de todos nos erguidos órgãos representantes das massas.

33 A especial influência da makhnovitchina na criação e no desenvolvimento dos mesmos foi inspirada nos congressos (soviéticos) e assembleias camponesas da primeira fase, como mostra Shubin (2010, p. 17: “O trabalho de construção iniciado em 1917 foi retomado, um esforço consciente para criar uma sociedade autogerida […] Com esse propósito que o 1º Congresso dos Sovietes dos Distritos foi convocado em 13 de janeiro de 1919 (ao numerar o congresso de 1919 o fórum de 1917 foi ignorado). Assim como em 1917, os Makhnovistas reconheceram a máxima autoridade do congresso”.

34 De forma muito similar ao caso da Comuna de Strandzha (Khadziev, 2015, p. 15-16).

35 Além da vitória sobre os kulaks, sobre o que entendiam por membros de outras classes dominantes nacionais ou internacionais e sobre os tradicionais pomechtchiki. Essa visão contrapõe historiografias que minimizam a importância da makhnovitchina para a derrota das forças contrarrevolucionárias e/ou imperialistas, como Jean-Jacques Marie(2017, p. 62), quando resume a participação makhnovista no embate partisan do Movimento Revolucionário dos Camponeses da Ucrânia (Arshinov, 2017) contra as tropas das Potências Centrais nos tempos do Hetmanate à fragilidade e ao desfecho de sorte de não ter sido esmagada militarmente por conta do estourar das Revoluções Alemãs (1918-1923) e da perda das Potências Centrais na Grande Guerra. Na verdade, neste último e em todos esses casos citados acima, a makhnovitchina foi fundamental para a derrocada dos inimigos do poder dos sovietes e do socialismo (Shubin, 2010; Schmidt & Van der Walt, 2009; Corrêa, 2017; Makhno, Skirda & Berkman, 2001; Linhares, 2019). De igual importância, parece ter sido o interessante papel militar das forças guerrilheiras camponesas influenciadas pelos princípios político-ideológicos anarquistas na Sibéria para a derrota do Exército Branco de Kolchak no contexto do que ficou conhecido como “makhnovitchina siberiana” (Heath & Mintz, 2017).

36 Diferentemente do modelo coletivista de distribuição dos frutos do trabalho que era majoritariamente defendido pelos anarquistas desde o surgimento de sua ideologia política até a década de 1870. A adoção do comunismo como modelo econômico de distribuição nos tempos makhnovistas pode ter sido tanto influenciada pelos vizinhos (autointitulados) anarco-comunistas do Leste Europeu, como (assim como os últimos) pode ter sido influenciada por Kropotkin. Os escritos deste podem ter colaborado para a cara da socialização autogestionária que se desenvolveu na Revolução Makhnovista. A circulação, na mesma época (1905) e na Ucrânia, do livro A Conquista do Pão de Kropotkin (Mintz, 2005, p. 54), provavelmente, teve contribuição para tal, devido à sua defesa comunista de sociedade futura (Desobediência Sonora, 2021).

37 Na fase um, as relações de autogestão se sobressaem de maneira ainda mais visível, devido a ainda não escalada maior de intensidade das guerras civis (pelo vasto território do antigo Império Russo-Tsarista).

38 Autodeterminação essa que atravessava, inclusive, a questão de “qual língua deve ser falada/escrita/usada?” nos espaços e lugares em que a revolução se institui (Arshinov, 2017, pp. 238-239).

39 O caso do Massacre de Eichenfeld (que, em uma aldeia, deixou 83 mortos), contra menonitas alemães, no início de novembro de 1919, acaba sendo um exemplo. Apesar dos makhnovistas terem perpetrado um massacre sanguinário contra uma colônia menonita (de Eichenfeld na Colônia de Jasykovo), Patterson, em The Eichenfeld Massacre, chega à conclusão, depois de um estudo de fôlego sobre o caso, de que as contribuições maiores para o acontecido tiveram mais a ver com a dinâmica dialética local entre os kulaks e pomechtchiki da colônia menonita de um lado e os paupérrimos e sem-terra camponeses ucranianos do outro em um período em que os segundos se radicalizavam e expropriavam as terras da região e os primeiros, até militarmente, se aliavam a forças contrarrevolucionárias, como os imperialistas alemães e os brancos (com receio dos segundos). Ou seja, as motivações para esse episódio de matança de menonitas, a princípio, parecem envolver mais questões de classe – o que é reforçado por sem-terras terem sido poupados e – em sua esmagadora maioria – latifundiários homens, executados – do que de raça ou de religião por parte dos makhnovistas participantes no massacre [o que não quer dizer que o massacre seja justificável como “certo” (o que não cabe dizer, aqui, em uma pesquisa acadêmica), mas o caráter do massacre diz muito sobre o que se está buscando entender a respeitos dos princípios político-ideológicos predominantes entre os makhnovistas]. Com efeito, não muito antes do massacre, os órgãos makhnovistas tinham entrado em concórdia com um pedido dos menonitas para uma viagem de encontros e reuniões religiosas pela região dominada pela makhnovitchina (Patterson, 2014).

40 Nas fases dois e três, foi a sucessora do Grupo Anarco-Comunista de Guliaipolé (Shubin, 2010, p. 19). Em Pelo 10º aniversário do Movimento Insurrecional Makhnovista na Ucrânia, Nestor Makhno, todavia, dá a entender que a organização anarquista dos tempos makhnovistas não era apenas a sucessora do Grupo Anarco-Comunista de Guliaipolé da primeira fase; mas o último teria sobrevivido ao primeiro refluxo entre as fases um e dois (Makhno, Skirda & Berkman, 2001, p. 29-45). De qualquer forma, a “nova” organização, senão era a continuação ininterrupta da organização da fase um (até porque tinha importantes membros homólogos da primeira organização), foi, no mínimo, herdeira desta. E, carregando os princípios da primeira organização, foi determinante na influência do desenvolvimento dos contornos da makhnovitchina.

41 De igual modo, com participação anarquista. Não coincidentemente, foi possível notar as semelhanças nas formas estratégicas e nos projetos políticos impulsionados entre os anarquistas no Leste Europeu (como nos casos mencionados brevemente nas primeiras páginas deste artigo) e os libertários da região (que será/foi um dia) makhnovista.

42 Isto é, cada uma tendo as suas singularidades e idiossincrasias históricas próprias.

Publicado em junho de 2024

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