Instituto de Estudos Libertários entrevista Arthur Caser sobre a greve dos servidores da educação federal

Maio de 2024

Nos fale um pouco sobre a conjuntura política atual.

Minha avaliação é a de que a despeito da vitória eleitoral de Lula nas últimas eleições presidenciais o grande tema da conjuntura política atual no Brasil ainda é a ascensão da extrema direita. Temo que as análises que apontam que esta força política profundamente autoritária e reacionária permanecerá relevante por anos a fio no país estejam corretas.

A rigor, a ascensão da extrema direita – que no Brasil assumiu a forma tragicômica do Bolsonarismo – é um fenômeno internacional que não vem dando manifestações de enfraquecimento, de modo que as diversas forças políticas precisarão lidar com isso por um bom tempo. A questão que se impõe, portanto, é: como lidar com a extrema direita?

Meu entendimento é o de que a maior parte das forças políticas erra – novamente – ao transigir com essa vertente fascista da política. No Brasil, por exemplo, o pouco que restou de certo liberalismo por muito tempo encarnado no PSDB hoje muitas vezes se alinha à extrema direita, enquanto as forças ligadas ao governo – que se apresentam como de centro e centro-esquerda – naturalizam e, assim, legitimam o fascismo.

Creio que cabe a nós libertários uma outra atitude, qual seja, de denúncia e enfrentamento permanentes à extrema direita. As maiores dificuldades dessa posição são o risco de sofrermos com a violência fascista – o que impõe a necessidade de organizarmos nossa autodefesa – e o equilíbrio entre a necessidade de mantermos nossa coerência político-ideológica sem tornarmo-nos sectários. Ou seja, precisamos explicitar nosso projeto político revolucionário, emancipador e socialista, sem nos fecharmos para eventuais alianças que são – e foram – importantes para derrotarmos o fascismo.

Como você percebe a Educação Federal nesse contexto?

A educação, a arte e a cultura costumam estar entre os primeiros alvos da extrema-direita, e no Brasil não é diferente. Por aqui já houve nos últimos anos casos de censura e de manifestações fascistas na porta de exposições, perseguição política em universidades e uma série de iniciativas baseadas no famigerado projeto Escola sem Partido, que, como sabemos, tem o objetivo de atacar a liberdade de aprender e ensinar nas instituições de ensino.

A Educação Federal sofreu com esses ataques, mas resistiu e permaneceu de pé. Apesar de todos os problemas que afetam as instituições federais de ensino no Brasil, elas ainda hoje são importantes centros de formação e produção de conhecimento reconhecidas pelos debates qualificados e pela presença de uma rica pluralidade de ideias.

Sobre as razões da greve, quais seriam as mais fundamentais e urgentes?

A greve se impôs em razão da recusa do governo de oferecer uma reposição adequada às grandes perdas salariais dos servidores da Educação Federal que se acumulam desde o governo Temer. Os sindicatos que representam esses servidores – FASUBRA, ANDES e SINASEFE – tentaram negociar com o governo, sem sucesso, ao longo do ano de 2023. A ausência de respostas do governo levou à greve.

Há, para além da questão salarial e das carreiras de docentes e técnicos em educação, dois pontos de grande importância nessa greve: a luta em defesa do orçamento da educação e contra o Novo Ensino Médio. Quanto ao primeiro ponto, o movimento grevista defende a reversão da tendência de cortes no orçamento e a necessidade de ampliação das verbas destinadas às universidades e institutos federais. Em relação ao segundo, a ideia é derrotar o projeto integralmente, pondo fim à formação aligeirada e precarizada que vem sendo oferecida à juventude pobre que faz uso da educação pública no Brasil.

Como a comunidade escolar está recebendo a greve?

Os diversos setores da comunidade escolar receberam a greve de forma diversa. Entre os servidores técnico-administrativos o entusiasmo pelo movimento é grande e o apoio praticamente unânime. Entre os docentes houve divisão: aproximadamente a metade apoia o movimento, enquanto a outra é contrária a ele, alegando preocupação com o calendário escolar. A despeito dessa divisão, a adesão à greve é praticamente integral no segmento. Quanto aos estudantes, o setor organizado – grêmios e centros acadêmicos – tem apoiado a greve, ainda que haja estudantes que tenham se manifestado individualmente contrários a ela. Por fim, é no segmento dos responsáveis que a resistência a greve é maior, com a maior parte dos grupos organizados atuando contra o movimento, mobilizando, inclusive, a imprensa e o Ministério Público.

Que forças políticas estariam contra a greve e quais as favoráveis?

A principal força política contrária à greve é a extrema direita que encontra ressonância em alguns grupos de responsáveis do colégio. A despeito de certa heterogeneidade política no interior desses grupos – ou seja, nem todos os pais contrários à greve são simpáticos à extrema direita –, é esta força política que dá o tom da fala e das ações desses grupos.

Além disso, não poderia deixar de citar o governo entre as forças políticas contrárias à greve. Afinal, se houvesse interesse do governo em negociar com as categorias que compõem a Educação Federal, a greve sequer teria sido deflagrada.

No caso específico do Colégio Pedro II, como o setor “esquerda” acolhe o movimento paredista?

A militância política de esquerda tem construído a greve cotidianamente, a despeito de suas diferenças políticas e ideológicas. Há, no entanto, um setor, grande entre os docentes, que se apresenta como de esquerda, mas que, na prática, pouco faz para dar algum sentido a essa palavra. Trata-se de um setor composto por indivíduos que se envolvem muito pouco ou quase nada com atividades políticas, dedicando-se sobretudo – em alguns casos exclusivamente – às suas próprias carreiras acadêmicas. Tal setor se posicionou majoritariamente contra a greve, mas vem respeitando as deliberações dos foros coletivos do movimento.

A extrema direita tem assediado o movimento grevista?

Sim. Como disse numa resposta anterior, a extrema direita tem assediado o movimento sobretudo através dos grupos organizados de responsáveis por estudantes, que têm procurado a imprensa, o Ministério Público e alguns parlamentares de seu campo político para constranger os servidores em greve.

O que falta fazer nessa greve? O que você teria a sugerir ou objetar?

Entendo que a greve tem caminhado relativamente bem, com uma série de atividades sendo realizadas dentro dos campi do Colégio e nas ruas. Creio que agora, no entanto, diante do impasse nas negociações com o governo, é o momento de realizar mais atividades de rua, sobretudo em Brasília. É esse o caminho que vem sendo indicado pelo comando de greve no momento.

É possível enxergar organizações de base na greve?

Sim. Felizmente a greve levou a um aumento nas mobilizações nos locais de trabalho, que organizaram – a partir dos Núcleos de Base do sindicato, quando possível – Comandos Locais de Greve, que têm se responsabilizado por uma série de atividades descentralizadas nos campi. Entendo que esse salto na mobilização e organização locais pode ser um saldo positivo dessa greve, já que o ponto de partida dessas mobilizações locais – os Núcleos de Base – tendem a sair dela fortalecidos.

Suas considerações finais.

Minha expectativa – bastante otimista, confesso – é que essa greve possa fazer parte do início de um ciclo de mobilizações dos setores populares. Penso que é apenas com mais mobilização e organização que poderemos sair da defensiva – ou seja, a luta por pautas que se resumem à preservação de certos direitos – para a ofensiva, levantando bandeiras históricas que incomodem de fato os donos do poder, como a igualdade absoluta entre os seres humanos e o pleno exercício da liberdade em oposição ao autoritarismo do Estado. É assim, e não de outra maneira, que poderemos ganhar mais espaço no embate político que precisamos travar contra a extrema direita.

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