Instituto de Estudos Libertários entrevista Lua Cosmo

Fevereiro de 2024

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Quem é Lua Cosmo?

Na realidade, eu não sei (risos!)

Cheguei aqui no mundo há quase 36 anos e me deram tantas funções para cumprir, roupagens e máscaras para utilizar, que eu caminho todos os dias para descobrir quem é, de verdade, esse número raso de documentações que me deram.

Mas acredito que esse questionamento inicial seja a base do meu relacionamento com a anarquia e por mais que a gente possa imaginar grandes discussões filosóficas acerca de quem se é, não saber me tem sido uma dádiva!

Quando e como conheceu o anarquismo?

Bem, eu trabalhava em uma empresa, no ano de 2013, que ficava localizada na Faria Lima e foi quando eu conheci de maneira bem distante o anarquismo e, até então, com uma visão bastante distorcida, tudo resumia-se a algumas vidraças quebradas atribuídas a todo o trabalho realizado até aqui. No ano de 2021, conheci um irmão parceiro de vida, anarquista, e passamos 20 dias juntos, na cidade de Atafona, na baixada fluminense, estudando todos os dias os clássicos, contemporâneos e compondo ideias e acessos maiores de pensamentos que eu já tinha dentro de mim, mas não sabia como expressar e, no mesmo momento, como que por processo de atração vibracional, o CCS em São Paulo, abriu um curso semanal, onde pude ter a oportunidade de conhecer tanto o espaço como pessoas e profundidades das estruturas do fascismo. Ainda estávamos em um ponto pandêmico, sem sabermos muito bem como as coisas seriam, mas a produção de estudos e conhecimentos não parou e aquilo me deu mais que conteúdo, vivi um processo de esperança de um mundo melhor, mesmo que a gente ainda não soubesse muito bem, como as coisas seriam a partir daquele ponto.

Você se identifica mais especificamente com alguma corrente histórica do anarquismo?

Não necessariamente, mas o anarcofeminismo, por ocupar um corpo que se reconhece como mulher, me é imprescindível, todos os dias, na composição do meu trabalho, sendo que, em sua maioria, são mulheres que vivem situações tão delicadas quanto 100, 200 anos atrás, olhando pela ótica da efetividade e necessidade que temos e são muitas ainda.

Como se caracteriza a sua militância?

Na ação. Acredito que a potência filosófica e intelectual tem a sua importância, mas que as várias formas de ações são um fator essencial para que a gente possa realmente tramitar as transformações sociais que tanto almejamos nos livros e nos debates. Atuo em 3 coletivos que se organizam de maneira autônoma na produção de acessibilidade à saúde, à educação e ao autoconhecimento e a resgates culturais, reconhecendo que precisamos olhar em nossas raízes para que possamos tomar decisões melhores que nossos ancestrais.

Como você definiria o campo libertário hoje em São Paulo?

Eu tenho muito receio do intelectualismo. Podemos discutir quem foi essa ou aquela pessoa anarquista em debates extensos, com muito gasto de tempo e energia, ou podemos utilizar o nosso senso de colaboração para criarmos bibliotecas, nutrir espaços coletivos, ocuparmos as praças e os locais públicos e movimentar arte, música e poesia. De certo modo, a ação parece que recebe muito menos contribuições e a intelectualidade sobressai em vários momentos, essa é uma grande inquietação.

Quais espaços e grupos você frequentou nos últimos tempos?

Centro de Cultura Social, Feira Anarquista, Coletiva Raízes Afroindígena, Coletivo Guardiões da Tekoa Pyau e território indígena do Jaraguá e Associação de Cannabis para fins de Saúde Jardim.

Tem preferência por algum clássico do anarquismo?

Maria Lacerda de Moura tem meu coração, em toda a sua obra que eu pude ter acesso, com destaque para “A mulher é uma degenerada”.

Como anarquista, qual é a sua visão da atual conjuntura política?

Aparentemente, existe nesse momento, uma ampliação da visão das pessoas em compreender que o nosso sistema político é falido e se moverem por si mesmas, umas em favor das outras. Tenho reparado um movimento artístico muito grande acontecendo, e as pessoas trazendo, para a sua trajetória, pequenas revoluções, sobretudo naquilo que aprenderam desde que chegaram aqui e creio que vejo isso por ter feito esse movimento primeiro em mim. Sobre o sistema, permanece e permanecerá falido, pois a autonomia é o único recurso que movimentará as nossas correntes e enquanto tivermos esperando que um número reduzido de pessoas, em sua maioria homens brancos cis, héteros e de uma parca condição cultural, estiverem decidindo por uma maioria tão diversa como realmente somos, estaremos chafurdando na lama em todos os aspectos que tocam a existência humana.

Existe esperança para a realização da revolução libertária nos tempos que vivemos?

Certamente!

Talvez eu, a Lua, CPF número tal, não esteja mais aqui nessa dimensão para observar as grandes mudanças que teremos, mas eu acredito plenamente nelas. Toda revolução que perdure, acontece na construção das etapas e sinto que este é um momento de plantarmos novas sementes para além de resgatarmos as antigas.

Precisamos sempre reconsiderar e trabalhar no micro a transformação que desejamos obter no macro, pois o mundo é feito de pequenas ações, sejam elas funcionais ou não, somente a partir da observação de quem estamos sendo, pensando, agindo e comunicando, é que realmente obteremos a efetividade nas partilhas e nessas pedagogias da liberdade que viabilizarão um novo mundo.

Suas considerações finais.

Que olhemos, antes das correntes filosóficas, sobretudo para nós. Estamos em total desacordo, ou trabalhando, para imprimirmos na história, aquilo que realmente tratamos de maneira intelectual e muitas vezes racional? Conseguimos perceber as nossas atitudes e ações diárias e como contribuímos para que as correntes sejam cada vez mais pesadas?

A transformação social acontece indivíduo por indivíduo, não somente na identificação dos problemas que enfrentamos, mas na autorresponsabilidade com a qual arcamos, durante esse pequeno caminhar.

Com amor,

Lua Cosmo.

A presente entrevista foi organizada pelo nosso colaborador Renato Canova.

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