Crônicas recuperadas pelo IEL

Fotografia de Paulo Guimarães

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Em uma troca de mensagens com o anarquista português M. Ricardo de Sousa, em março de 2024, Alexandre Samis comenta sobre a pouca participação de jovens na atividade de lançamento da revista A Ideia. O evento foi assim resumido pelo “Portal Anarquista” administrado pelos compas de Évora:

“Foi ontem apresentada no Museu do Aljube, em Lisboa, a edição de 2023 d’A IDEIA comemorativa dos 50 anos de publicação da revista que se afirma como de “cultura libertária”. A sessão contou, para além do seu actual director, António Cândido Franco, com dezenas de pessoas, entre elas Risoleta Pinto Pedro, que leu alguns textos, Ricardo António Alves (que falou sobre “Jaime Brasil e Ferreira de Castro”) e António Baião que fez a apresentação do livro “Jornal A Batalha 1974-2024. Esboço para uma Análise”, de João Freire, edições A Batalha – um jornal que este ano também assinala os 50 anos da VI série. Na mesma altura foi também apresentado um número especial de “A Ideia 50 Anos, 1974-2024. Fac-simile do nº 1, cronologia, antologia, testemunhos e índices. 163pp, de João Freire, o fundador da revista”.

Segue a resposta de M. Ricardo de Sousa que nos parece de interesse mais amplo.

Assim:

“Comp.,

Saúde.

Pergunta-me pelos jovens depois de ver as fotografias, onde abundam cabelos grisalhos, da apresentação, no Museu da Resistência no Aljube, da Revista A Ideia, que agora comemora 50 anos, (foi fundado ainda no exílio em Paris, em 1974, por João Freire), acompanhando a efeméride do cinquentenário do golpe militar dos jovens capitães que derrubou a caduca ditadura portuguesa em 25 de Abril de 1974.

Sobre os «jovens» tenho de dizer que é uma categoria cada vez mais difícil de definir e entender, pelo menos na Europa, onde já se fala de jovens até aos 40. Numa sociedade que nos quer a todos infantilizados até morrer. Bom, esses jovens, não abundaram na verdade nos 50 anos da Ideia

Há uma explicação: por aqui, tal como por aí, há uma categoria cada vez mais comum que é dos jovens «anti-intelectuais» ou seja dos analfabetos assumidos, orgulhosos de o serem. Não gostam de ler, nem sequer de debater, gostam de pintar paredes, virar latas do lixo e «postar» comentários na Internet quando não têm sono. Também gostam de beber umas cervejas, das marcas comerciais ou artesanais, mas quase todos só comem comida vegan, que como sabemos, e dizem os médicos, só faz bem. Alguns, mais nostálgicos, continuam a reunir-se para escutar música Punk, que como sabe já é velha, embora não tão velha quanto o jazz, o «a las Barricadas», o Léo Ferré e Georges Brassens. Nem falo dos The Doors, Jim Morrison e Pink Floyd, tudo cadáveres.

Um notável e cansativo activismo radical esse dos jovens. Isto até se fartarem e arranjarem um emprego precário numa universidade, numa caixa de supermercado ou num call center…Isso porque poucos têm pais ricos ou enriquecem com Bitcoins.

Dirá você: sempre foi assim! Talvez, mas não nesta escala de miserabilismo…No passado longínquo, ou no próximo, que é o nosso, líamos, tínhamos curiosidade, vontade de aprender, discutíamos, talvez em excesso, e havia o autodidatismo popular. E, apesar de tudo, menos arrogância. Agora vejo gente que dá uns arrotos em público, uns pontapés nuns caixotes do lixo, veste uma roupa esfarrapada, que está na moda, e pensa que está a fazer a Revolução. Imaginando-se até um personagem da Comuna de Paris ou da Revolução Espanhola, quando têm conhecimento suficiente para saber que existiram esses eventos pré-históricos.

Por cá, volta a perguntar: onde estão os jovens?

Por aí, gritando pela Palestina, mas não pela povo ucraniano. Pelos imigrantes e pelos direitos  LGBTQIA+ E, provavelmente, alguns nas filas para votar no próximo domingo, pois têm o coração à esquerda!!!! Estes, de quem estamos a falar, pois ao que dizem as pesquisas os outros jovens, que são a maioria, agora estão à direita, são conservadores, o que querem é saber das suas pobres vidinhas de «doutores» com sub-empregos. Lamentam os políticos já que hoje temos a geração mais «qualificada de sempre»…Olhando não parece!

Todos? Não. Como diz a Bíblia, se houver 10 diferentes [Génesis, 18], deus já nos irá perdoar os nossos erros e os pecados da humanidade…

Não pense que isto é coisa de velho. Antes fosse. É uma descrição de alguém que ainda não tem alzheimer e olha à sua volta com alguma curiosidade e atenção. Como diz o povo, não sei se rir ou chorar. Depende do dia!

Um abraço,

M. Ricardo de Sousa”

Pode-se até discordar do conteúdo, mas é difícil não reconhecer no estilo e clareza de posição um patrimônio hoje bastante raro até nos meios libertários.

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